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2023/03/27

Os painéis de azulejo de Marcos Muge inspirados em Camões

 












Marcos Muge,
 n.1968
Artista plástico português
Camonista




Pintar Camões em azul-cobalto:
ou os painéis de azulejo de Marcos Muge inspirados em Camões



Marcos Muge é um artista plástico multifacetado e desde cedo o seu percurso artístico tem versado a temática camoniana. Para captar o Poeta, a sua obra ou a sua época optou pela pintura em azulejo, arte que trabalha com mestria, em azulejos individualizados e soltos, preferencialmente em painéis de vários azulejos, por vezes numerosos, atingindo o monumental.


1.


Logo no início do seu percurso artístico, quando frequentava a formação profissional no CENCAL, em Caldas da Rainha, com cerca de 22 anos, criou a obra “As paixões de Camões” (1990). Um projeto cuja policromia vibrante da composição e sobretudo o rosto que sobressai no seu lado esquerda espelham “as paixões de Camões e a instabilidade emocional que alimentava”, o Poeta? o Artista plástico? 
Dos seres alongados e sinuosos que preenchem o painel, atrai-nos extraordinariamente o rosto formado por corpos humanos desnudos e em exercício; um rosto que é seio e que é raios de polvo ou ondas ou simplesmente cabelos verdes ondulantes. Talvez possamos encontrar a relação com Camões numa eventual alusão à Ilha dos Amores e à sensualidade das ninfas e dos marinheiros que as caçam. Seres marinhos ou seres aéreos, voláteis? Ou então essa “instabilidade emocional” do ser apaixonado pode ser encontrada em toda a riqueza da paleta de cores utilizada e na complexidade de formas conjugadas, acentuada pela divisão quadrangular dos azulejos. Alguns quebram a sua arrumação, ou triangulam-se, amam a metamorfose geométrica.




2.




Que dizer do esplendor do seu azul? Expresso pela técnica do negativo num painel de seis azulejos, o azul-cobalto narra-nos em brilhos e contrastes uma cena da viagem épica de Os Lusíadas.
Inebriamo-nos nesse azul marítimo dos “mares nunca de antes navegados” ou no exotismo e luminosidade desses povos que os navegadores lusos foram contactando durante a sua viagem? Às ninfas amorosas sucedem os amistosos e dignos africanos de Melinde ou ainda os exuberantes indianos.

Foram 20 painéis em azulejo inspirados n’Os Lusíadas, durante o mesmo ano de formação do jovem discípulo no CENCAL - Centro de Formação Profissional para a Indústria Cerâmica, nas Caldas da Rainha.

A técnica do negativo, a opção do azul-cobalto, o esplendor do branco encontram a sua perfeita materialização no painel da bailarina do mesmo autor. Volátil como as criaturas serpenteadas das Paixões de Camões.




3.


Dois anos depois (1992-93), o jovem Marcos Murge, ainda em formação no curso de Pintura de Azulejos, mas agora na Cerâmica Aleluia, em Aveiro, perto de casa, volta a escolher Camões para um dos seus primeiros trabalhos clássicos.
Muitos pintores ao longo dos tempos representaram Camões na “gruta” de Macau, com ou sem o seu amigo Jau. Menos o terão pintado em painéis de azulejos.
É um painel magnífico, fotográfico na captação dos elementos: o cenário nobre e com fundo, os pormenores dos adereços e objetos pertencentes ao Poeta: a espada do marinheiro-soldado; as folhas de papel para a escrita da sua obra; o chapéu pousado junto ao abrigo repousante e inspirador – Camões olhará o horizonte e as embarcações ao largo? Interpelará a Musa inspiradora para que lhe conceda “ũa fúria grande e sonorosa”? Vêmo-lo a meditar, por certo.
A técnica pictural sugere as diversas tonalidades de cor, os claros-escuros do azul da figura humana, da terra e das plantas esplêndidas.




4.




Não surpreende que, poucos anos depois, encontremos Marco Muge iniciado profissionalmente em artes plásticas, cerâmica e conservação e restauro, com ateliê próprio aberto (1994). Será ainda na década de 90 que criará os dois grandes painéis dos Descobrimentos Portugueses, com os quais participou na FIA em Lisboa e numa exposição itinerante de Azulejo, com obras de outros artistas portugueses, intitulada “As Idades do Azul”, que já passara por Florença e culminaria em Milão.

Ambos os painéis de azulejos são de grande dimensão (o de 1997 é constituído por c.558 azulejos; o de 1998, c.442 azulejos), representando os Descobrimentos Portugueses.

O primeiro painel, de 1997, atualmente em espaço público em Santa Maria da Feira, configura os reis D. João II e D. Manuel I, apresentando ao centro da composição a Ribeira das Naus e Calecute, na Índia. O mesmo tema das grandes viagens marítimas estará presente no painel de 1998, mas aí os protagonistas serão o escritor Luís de Camões que as imortalizou na sua obra escrita e o capitão da frota que realizou a primeira viagem marítima para a Índia. Os reis programadores das grandes viagens dão lugar aos heróis que as concretizaram e cantaram; Lisboa e Calecut ampliam-se no mapa-múndi ao centro da composição, coroada pela esfera armilar, um dos emblemas de D. Manuel I.

O Mestre utiliza a pintura manual a pincel e continua a utilizar o esplendoroso e fascinante azul-cobalto. A escala é maior, pois os painéis são grandiosos; o centro de formação deu lugar ao espaço de exposição pública e internacional, na capital e em itinerância, juntamente com obras de azulejaria da plêiade de artistas nacionais (Almada Negreiros, Paula Rego, Júlio Pomar, Querubim Lapa, Eduardo Nery, Graça Morais, etc.).

Os seus painéis participariam, em representação do concelho de Ovar, na grande Expo 98 celebrativa dos 500 anos dos Descobrimentos: o artista esteve presente na exposição de azulejo na FIA de Lisboa, em julho de 1998, e, por outro lado, foi um dos artistas portugueses que representou Portugal na exposição AS IDADES DO AZUL, a qual tinha passado por Florença, estava então em Lisboa na FIA e terminaria em Milão.

Com tanto reconhecimento e até internacionalização do Artista, porque é que este último magnífico painel, agora à guarda da C.M. de S. João da Madeira, se encontra nos depósitos do município? Porque aguardam para o colocar em espaço público, como aconteceu em 3 de novembro de 1998?


5




O artista Marcos Muge pintou as paixões de Camões, cenas de Os Lusíadas, o momento da escrita da epopeia em Macau, retratou a épocas das grandes viagens e os seus protagonistas e, ainda no contexto das comemorações dos 500 anos dos Descobrimentos, em 1998, pintou “a viagem de Vasco da Gama à Índia” mas optando agora por azulejos individuais.
Esse projeto foi realizado com o patrocínio da Caixa Geral de Depósitos de Ovar e foi diverso. Foram seis séries de placas cerâmicas representando cada uma delas momentos ou aspetos relacionados com a viagem: caravelas, fauna estranha (elefante), indígenas africanos, astrolábios, etc. – e assinaturas em azulejos, de Vasco da Gama e outras figuras dos Descobrimentos. E na sua conceção, o artista revisitou a policromia inicial, pois os fundos abstratos destas peças azulares são pintados de cores quentes (vermelhos, laranjas e amarelos) e opostas (azuis, verdes e violetas), entre “o calor tórrido e tropical” e “as tonalidades do mar e da vegetação”. A aventura da arte e da vida!


6.

“que de tinta azul se tinge” (Os Lusíadas, Canto V, est. 76)

com azul-cobalto, Marcos Muge pinta Camões






Já no largo Oceano navegavam,
As inquietas ondas apartando;
Os ventos brandamente respiravam,
Das naus as velas côncavas inchando;
Da branca escuma os mares se mostravam
Cobertos, onde as proas vão cortando
As marítimas águas consagradas,
Que do gado de Próteu são cortadas,

Luís de Camões, Os Lusíadas, Canto I, est. 19.

















      1. "Os Descobrimentos Portugueses", placa cerâmica da autoria de Marcos Muge, 1998.
      2. Marcos Muge pinta Viagem de Vasco da Gama à Índia, placas cerâmicas, em 1998.
      3. "Os Descobrimentos Portugueses", com Camões e Gama - monumental painel de azulejos, 1998.
      4. Camões em Macau, painel de azulejos, 1992-93, por Marcos Muge, na Cerâmica Aleluia.
      5. Cena de Os Lusíadas, um de 20 painéis em azulejo, 1990, quando era discípulo no CENCAL, Caldas da Rainha.
      6. As paixões de Camões, painel em azulejos policromáticos, 1990, da juvenília de Marcos Muge.


©

Todas as imagens são do

Atelier Marcos Muge