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2024/06/02

Conferência "Fernão Gomes, pintor amigo de poetas e autor do retrato de Camões" por Vítor Serrão


Fernão Gomes

pintor amigo de poetas e 

autor do retrato de Camões


CONFERÊNCIA

Historiador de arte, professor, camonista

8 JUN. 2024 | às 11h
Auditório Casa-Memória de Camões, Constância






"Único testemunho da vera efígie do poeta, tomada em vida, o chamado ‘retrato pintado a vermelho’ é obra de Fernão Gomes, c. 1573, mas dele resta apenas a ‘cópia fidelíssima’ feita por Luís José Pereira de Resende a pedido do 3º duque de Lafões, entre 1819 e 1844, a partir do original de Os Lusíadas encontrado nos escombros do incêndio do palácio dos Condes da Ericeira e Marqueses de Louriçal."
Vítor Serrão
in página no Facebook, 10.06.2020






Vítor Serrão
Entre Camões e Jerónimo Corte-Real: encontros e desencontros
Edição comemorativa: 500 anos - Luís de Camões













para saber +


in Luís de Camões - Diretório de Camonística

in Luís de Camões - Diretório de Camonística

in Luís de Camões - Diretório de Camonística

in Luís de Camões - Diretório de Camonística


Evento associado a










Redação: 2.06.2024

2023/03/19

Fernão Gomes fez em Lisboa o retrato de Luís de Camões









Cópia "fidelíssima" da capa e portada do livro que mandou fazer o conde de Vimioso para os cantos de Luís de Camões e do retrato do Poeta


Data provável:
[1819 e 1844]


Dimensão e suporte:
1 livro; [2], 13 f.


dim. do retrato:
145 x 130 mm, papel


Cota no ANTT:
Portugal, Torre do Tombo, Gavetas, Gav. 25, maç. 2, n.º 7










História da proveniência
e
do conteúdo do livro onde se encontra o retrato


A fonte do texto é devidamente indicada no final
com ligação para o documento original.



“História custodial e arquivística":


"A cópia do retrato, portada e capa de pergaminho encontrados na livraria da Casa do Louriçal. No Terramoto de 1755, foi um dos poucos documentos salvos do incêndio que destruiu o palácio dos condes da Ericeira e marqueses do Louriçal, situado junto à Anunciada, em Lisboa. Após 1755, a cópia da capa e da portada do livro que mandou fazer o conde de Vimioso para os cantos de Luís de Camões e do retrato do poeta foi reconhecido por José Coelho da Silva "familiar da casa" dos marqueses do Louriçal, num dos caixotes que se encontrava no compartimento destinado à livraria da sua nova residência. É desconhecido o nome do proprietário da cópia do retrato de Camões, depois da morte de D. Segismundo, 3.º duque de Lafões.

Foi adquirida pelo Dr. António Augusto de Carvalho Monteiro [o “Monteiro dos Milhões”, dono da Quinta da Regaleira em Sintra, bibliófilo, cuja coleção bibliográfica camoniana se encontra, atualmente, e na maior parte, na biblioteca de Harvard, e a rica coleção de “objetos” relativos a Camões e ao Tricentenário da morte do Poeta se encontra no Museu da Cidade de Lisboa], pertenceu ao filho deste, Dr. Pedro Augusto de Carvalho Monteiro, quando, em 1925, foi descoberta por Afonso Dornellas. Em 1951, foi adquirida por António de Aguiar. Em 1960, foi comprada pelo Dr. Fausto Amaral de Figueiredo, passando aos seus herdeiros. Em 1988, a 30 de Dezembro, por proposta do livreiro antiquário Richard C. Ramer, de Nova Iorque, foi comprada pela Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, passando a pertencer ao Estado Português.

A cópia do retrato de Camões e mais dois documentos relativos a D. Martinho de Castelo Branco, considerados de interesse camoniano, e adquiridos pela citada Comissão, foram entregues à Secretaria de Estado da Cultura, ficando em depósito no Museu Nacional de Arte Antiga. Em 1990, a 29 de Novembro, os dois documentos relativos a D. Martinho de Castelo Branco foram entregues ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Em 1991, a 17 de janeiro, a cópia do retrato de Camões, que tinha estado exposta na Fundação Calouste Gulbenkian, deu entrada na Torre do Tombo."



"Âmbito e conteúdo":


"Nome do autor da cópia: Resende, Luís José Pereira de (1760-1847)

Cópia destinada ao duque de Lafões.

A cópia "fidelíssima" é constituída pela capa de pergaminho, pela página de título do livro com o título:
"Este livro mandou fazer o senhor conde de Vimioso pera os cantos de Luis de Camões. Tem o retrato do mesmo, e foram tirados dos borrões e delle vistos. 1570",

e pelo retrato do poeta, com a seguinte legenda:

"Retrato de Luís de Camões o único que dizem existir, e ser tirado do natural. - Fernando Gomes, fez em Lisboa".

Inclui ainda a reprodução da folha em branco, possível guarda do manuscrito e termina com a "Nota única" pela qual o marquês do Louriçal pedia que se não tirasse do presente traslado outra cópia.


Segundo a citada cópia, o texto do livro terá sido retirado para a primeira impressão dos Lusíadas, em 1572.

A dedicatória, provavelmente, dirigida ao 3.º duque de Lafões, as pinturas do respetivo brasão de armas no começo da introdução (escudo partido tendo na primeira pala o brasão da Casa de Bragança e na segunda pala, o brasão dos Sousa, com coroa de duque e como suportes dois anjos), e as pinturas das estampas, têm o monograma de Luís José Pereira de Resende.

A organização do códice e a elaboração do retrato serão independentes, a portada terá sido feita depois da morte de Camões, por um artista menor, um iluminador ou um ourives, o códice terá sido organizado entre 1580 e 1582, o conde de Vimioso mencionado na portada corresponderá a D. Francisco de Portugal.

O original da cópia do retrato de Luís de Camões foi executado por Fernão Gomes (1548-1612), provavelmente, destinado à abertura de uma gravura a buril sobre chapa de cobre que terá sido executado entre 1573 e1576, sendo muito possível que se destinasse a uma das primeiras edições do Lusíadas.

Fernão Gomes ou Fernando Gomes é o nome por que ficou conhecido, em Portugal, o pintor maneirista espanhol, Hernán Gomez, natural de Albuquerque, que se formou na oficina de Anthonis Blocklandt, em Delft. Em 1573, veio para Lisboa. Em 1594, tornou-se pintor de óleo de D. Filipe II. Em 1601, recebeu o cargo de pintor dos Mestrados das Ordens Militares, concedido pela Mesa da Consciência e Ordens.
Da sua obra fazem parte desenhos e pinturas de retábulos, debuxos para estampas impressas.

Luís José Pereira de Resende, pintor de Lisboa, identificado por Aníbal Almeida, como tendo sido agregado à aula de 4.ª classe de Pintura Histórica da Academia Real de Belas Artes, tendo trabalhado como retratista e miniaturista.


Fonte:

PORTUGAL, Arquivo Nacional da Torre do Tombo (2021) Camões "fidelíssimo": Cópia "fidelíssima" da capa e portada do livro que mandou fazer o conde de Vimioso para os cantos de Luís de Camões e do retrato do Poeta. – Um de quatro documentos produzidos pelo ANTT, em que se “celebra o Dia Mundial da Língua Portuguesa, 5 de maio, evocando Luís de Camões”. - 25 p., 14 das quais são a reprodução facsimilada e integral de todo o “objeto”. – Lisboa: ANTT, 2021. – Doc. divulgado online, em formato .pdf










1. Retrato de Luís de Camões, por Fernão Gomes (versão da WEB).
2. Retrato de Luís de Camões no livro guardado no ANTT.
3. “Portada do livro que mandou fazer o conde de Vimioso para os cantos de Luís de Camões”.
4. Cartaz de celebração do Dia Mundial da Língua Portuguesa, 5 de maio de 2021.





2023/03/04

CAMONISTA - Vítor Serrão













Vítor Serrão, 1952-
Historiador de arte, professor, camonista



"Homem de causas e sonhos, sempre. Operário de memórias empenhado no estudo do Património cultural e de todas as Artes, micros e macros, eruditas ou periféricas.
Admirador de Fernão Gomes, o pintor, e de Luís de Camões, o poeta que escreveu:
“Olhai como Amor gera, num momento / de lágrimas de honesta piedade, / lágrimas de imortal contentamento”. 
Autorretrato


Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão licenciou-se em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1975), é mestre em História da Arte pela UNOVA de Lisboa, com a dissertação O Maneirismo e o estatuto social dos pintores portugueses (1982) e doutorado na mesma área pela Univ. de Coimbra, tendo defendido a tese A pintura proto-barroca em Portugal, 1612-1657 (1992).

É Professor Catedrático jubilado da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde dirige o ARTIS - Instituto de História da Arte (ARTis-IHA) e as revistas do Instituto, ARTIS – Revista de História da Arte e Ciências do Património (impressa, desde 2002) e a ARTis ON (online, desde 2015) .

Dedica-se à história da pintura portuguesa dos sécs. XVI-XVIII, à Teoria da Arte e da Imagem, à Iconologia e á área da Gestão Integrada do Património Cultural.

Vítor Serrão é autor de diversos livros, textos científicos e catálogos de exposições sobre arte portuguesa do Renascimento, do Maneirismo e do Barroco. Autor de numerosos textos em atas de congressos, boletins e revistas da especialidade, realizou conferências em universidades portuguesas e estrangeiras. Colaborou no vol. II – Do “Modo” Gótico ao Maneirismo da História da Arte Portuguesa dirigida por Paulo Pereira (Círculo de Leitores, 1995).













Lisboa, 2017





CAMONIANA


  • (2019) Primeiros tratados de pintura. – Coord. Patrícia Monteiro, Vítor Serrão; versão dos textos latinos José Carlos Lopes de Miranda. Lisboa: Círculo de Leitores.








Aparição de Cristo à Virgem: 

Fernão Gomes


Vítor Serrão

Porto: Santa Casa da Misericórdia do Porto, 2017.




  • (2015) Artes por terras de Nun'Álvares: pintores e obras dos séculos XVI a XVIII na sertã e em Proença-a-Nova. – Com Ana Maria Farinha; pref. José Eduardo Franco. Lisboa: Theya: Instituto Europeu de Ciências da Cultura: Padre Manuel Antunes.
  • (2013) Impactos do Concílio de Trento na arte portuguesa entre o Maneirismo e o Barroco (1563-1750), in O Concílio de Trento (1545-1563). – [Actas do Seminário no âmbito das comemorações dos 450 anos sobre a clausura do Concílio de Trento, 1563-2013]. Cord. José Pedro Paiva. Lisboa: Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, p. 101-129.
  • (2013) As preparações na pintura portuguesa: séculos XV e XVI. – Atas do Colóquio Internacional, 28-29 jun. 2013, Lisboa, MNAA. Coord. conjunta com Vanessa Antunes e Ana Isabel Seruya.
  • (2012) O Túmulo de D. Jerónimo Mascarenhas no Bom Jesus de Goa e a tónica do sincretismo na Índia portuguesa ao tempo dos Filipes: ourivesaria, escultura, pintura, in Actas do Congresso Goa: Passado e Presente. Lisboa: Univ. Católica Portuguesaa, p. 37-73.
  • (2012) Ecumenismo imagético e trans-contextualidade na arte portuguesa do século XVI: representações de asiáticos no ‘Pentecostes’ do pintor António Leitão em Freixo de Espada-à-Cinta / Ecumenism in images and trans-contextuality in Portuguese 16th century art: Asian representations in Pentecostes by the painter António Leitão in Freixo de Espada à Cinta – Bulletin of Portuguese-Japanese Studies, n.º 20, Paris, p. 125-165.
  • (2010) A pintura maneirista e proto-barroca, 1550-1700. – Vol. XI da col. Arte Portuguesa: da Pré-História ao Século XX, dir. Dalila Rodrigues; José Pessoa. Lisboa: Jornal de Notícias.
  • (2010) «’Acordar as cores...’: os pigmentos nos contratos de pintura portuguesa dos séculos XVI e XVII», in The Materials of the Image / As Matérias da Imagem. Coord. Luís Urbano Afonso, Série Monográfica «Alberto Benveniste», n.º 3, Cátedra de Estudos Sefardsitas «Alberto Benveniste», p. 97-132.









O largo tempo do Renascimento:

arte, propaganda e poder


[Simpósio Internacional de História da Arte O Largo Tempo...]
Coord. Maria José Redondo Cantera, Vítor Manuel Guimarães Veríssimo Serrão. 
Casal de Cambra: Caleidoscópio; Lisboa: Centro de História da Universidade, 2008.









A Trans-memória das Imagens: 

estudos iconológicos de pintura portuguesa 

(séculos XVI-XVIII)


Vítor Serrão

Chamusca: Cosmos, 2007.



  • (2008) O Fresco Maneirista em Vila Viçosa, Parnaso dos Duques de Bragança (1540-1640). – Ed. Fundação da Casa de Bragança, Lisboa.
  • (2007) [verbetes], in Encompassing the Globe: Portugal and the World in the 16th and 17th centuries. – catálogo da exposição. Washington: Sacker Gallery.









Vol. III – O Renascimento e o Maneirismo

– Vítor Serrão

in História da Arte em Portugal

– Dir. Carlos Alberto Ferreira de Almeida e José-Augusto França
Lisboa: Presença, 2022.


  • (2000) História e restauro do retábulo da capela-mor do Mosteiro dos Jerónimos. – Com Carmen Olazabal Almada e Luís Figueira: Lisboa: IPPAR.
  • (1998) André de Padilha e a pintura quinhentista, entre o Minho e a Galiza. Lisboa: Estampa.




A pintura maneirista em Portugal:
a arte no tempo de Camões


– Catálogo de exposição realizada no Centro Cultural de Belém, Lisboa, 1995.

511 pp.; il. cor. ; 31 cm.

Vítor Serrão, Annemarie Jordan-Gschwend; Francisco Faria Paulino

Lisboa: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos, 1995. 
– Galardoado com o Prémio Nacional APOM.





  • (1995) Diogo Teixeira, Fernão Gomes e o "decoro tridentino": a "pittura senza tempo" em Portugal, in História da Arte Portuguesa. Vol. II - Do "modo" gótico ao maneirismo. Lisboa: Círculo dos Leitores.
  • (1993) A igreja, in Hospital Real de Todos-os-Santos: séculos XV a XVIII: catálogo. – Org. Museu Rafael Bordalo Pinheiro; dir. Paulo Pereira; textos Ana Cristina Leite et al.. Lisboa: Câmara Municipal. – [103, [1] p.; il. (28 cm) + maqueta de armar em cartão, em bolsa resguardo].
  • (1991) O pintor António Campelo e o triunfo do maneirismo no Portugal de 1550 a 1580. S.l.: s.n.
  • (1989) Estudos de pintura maneirista e barroca. Lisboa: Caminho, 1989.
  • (1989) O rosto de Camões: Fernão Gomes, pintor maneirista de "bravo talento", in Oceanos, n.° 1 (jun. 1989), 27-29.
  • (1989) Estudos de pintura maneirista e barroca. Lisboa: Caminho.
  • (1986) História da Arte em Portugal. Vol. VI. – O Maneirismo. Lisboa. Publicações Alfa.
  • (1983) O Maneirismo e o estatuto social dos pintores portugueses. Lisboa: INCM. – Prémio Nacional José de Figueiredo da Academia Nacional de Belas-Artes.
  • (1982) A Pintura Maneirista em Portugal. Lisboa: ICALP. – Col. Biblioteca Breve. / 2.ª ed., 1991.
  • (1981) Os tectos maneiristas da igreja do Hospital Real de Todos-os-Santos, 1580-1613.  - Com Dagoberto Markl, in Sep. do Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa, III série, 86, p. 161-215.


Fernão Gomes e o retrato de Camões

Textos introd. Vítor Serrão, Vasco Graça Moura


Lisboa: CNCDP; Fundação Oriente; INCM, 1989

48, [6] p. : il., [32] facsimil. ; 47 cm



 






O pintor Fernão Gomes, 1548-1612





Aparição de Cristo à Virgem

óleo sobre madeira

não assinado, c. 1600

230 x 250 cm


"De entre os pintores portugueses - ou radicados em Portugal - da segunda metade do século XVI é, sem dúvida, Fernão Gomes um dos mais carateristícos. O seu estilo, a sua «maneira» valem por uma assinatura.

Quando em 1973 [Fernão Gomes: um pintor no tempo de Camões: a pintura maneirista em Portugal. Lisboa: Comissão Executiva do IV Centenário da publicação de “Os Lusíadas”.] dedicámos a este mestre uma monografia, longe estávamos de imaginar quanto a sua obra se viria a alargar através dos estudos que, posteriormente, Vitor Serrão e nós próprios efetuámos, conjunta ou individualmente e que, a partir deste momento, ainda mais se amplia. 

 

[Fernão Gomes, 1548-1612

Nascido em Albuquerque, Castela, entre 1548 e 1553, Hernán Gómez Roman - o seu nome de nascimento - provável discípulo de Luís de Morales, em 1565, terá trabalhado em Évora, como mero adjunto de «El - Divino», no grande retábulo do Convento de S. Domingos, encomendado por frei Domingos de Lisboa.

Datam deste período as suas relações com os condes de Vimioso, amigos de Morales, que encomendam, em 1570 a Fernão Gomes, já radicado em Portugal, o retrato de Luís de Camões, menos de um ano antes regressado a Portugal e que devia figurar numa 1ª edição - jamais publicada - de Os Lusíadas. Assim, o nome do pintor ficaria para sempre associado ao Poeta, embora ainda hoje, onze anos volvidos sobre o estudo circunstanciado que dedicámos a esta primeira obra portuguesa de Gomes, haja quem procure ver na assinatura da cópia setecentista do retrato do épico um outro pintor, homónimo de um mítico Fernão Gomes da primeira metade de Quinhentos.

Ao identificarmos aqui mais um painel, dos melhores de Fernão Gomes, a «Aparição de Cristo à Virgem» de uma colecção particular da antiga Punhete, julgamos poder definitivamente eliminar os equívocos que ainda rodeiam o nome do pintor.

Se Portugal já não [sic] possui a fidelíssima cópia do retrato de Camões, ainda não há muitos anos à venda no Brasil, pode orgulhar-se hoje de ter encontrado uma das obras mais representativas do período de maturidade do principal pintor do nosso 2.º Maneirismo, artista régio de Filipe II (I de Portugal) que só no seu compatriota Francisco Venegas encontrou um verdadeiro émulo.

A atribuição a Fernão Gomes do painel em estudo, descoberto pela Associação para a Reconstrução e Instalação da Casa - Memória de Camões em Constância, baseia-se em dois fatores: um de ordem estética, qual seja a "maneira" do pintor, a sua ideologia - imagética, outra que se revela na originalidade - quase herética - do tratamento do tema.

A comparação da figura da Virgem, no desenho típico das mãos e do rosto, aproxima o painel em estudo da «Ascenção», do Museu de Arte Sacra do Funchal, obra de cerca de 1573.

Note-se que a acentuada influência nórdica das composições do mestre se deve à sua estada em Delft, entre 1570 e 1572, quando estudou com o pintor holandês Anthonie Blocklandt (ou A.Van Montfoort). O painel «Aparição de Cristo à Virgem» patenteia essa influência e supomos mesmo que Fernão Gomes (1533 - 1598) se terá inspirado em gravuras nórdicas, provavelmente nas de Cornelis Cort. A elas teria já recorrido para o apologético «Triunfo da Obediência», pintado, cerca de 1588, para o Convento dominicano da Anunciada, e de que conhecemos o desenho, por nós amplamente estudado, que pertence às colecções do Museu Nacional de Arte Antiga.

A figura da mulher idosa, à direita (na qual julgamos ver Rebeca), é decalcada da velha que aparece à esquerda no «Nascimento da Virgem», dos Jerónimos, personagem que se repete na mulher que traz alimento a Santa Ana, no desenho do mesmo tema, do Museu de Arte Antiga, que recentemente divulgámos. Admitindo que este é um estudo preparatório para o painel hieronimita, datámo-lo, também, de cerca de 1594.

O personagem em primeiro plano, à direita (S. João Baptista), olhando o observador e transpondo para o exterior o aspaço limitado do painel, aparenta-se pela atitude com a jovem, extremamente bela, que se vê sentada numa cadeira, também â direita, no «Nascimento da Virgem», de Belém. Supomos ver, tanto numa figura como na outra, dois retratos, sendo provável que se trate do próprio pintor no painel «Aparição de Cristo à Virgem», aqui em análise.

O velho, de longas barbas (Adão), repete-se nas figuras do extraordinário desenho «Ascenção», do Museu de Arte Antiga.

A seu lado, a mulher semidespida (Eva), cujo perfil, bem maneirista, recorda o da mulher, em primeiro plano, à direita, no já citado «Nascimento da Virgem», dos Jerónimos.

Toda a sequência de anciãos do Antigo Testamento, que acompanham Cristo , reencontra-se , tanto na «Ascenção» do Funchal, como no desenho do mesmo tema (datado de 1599) e no «Pentecostes», cerca de 1599, ambos no Museu de Arte Antiga.

A figura de Cristo deve ter servido para decalque da «Descida de Cristo ao Limbo», obra da oficina de Fernão Gomes, pertencente a uma colecção particular.

Brevemente expostas estas afinidades, que nos permitiram a atribuição a Fernão Gomes, importa considerar o tema e procurar identificar os personagens representados.

Como é frequente, Cristo aparece a sua Mãe acompanhado por figuras do Antigo Testamento. Aqui há uma excepção na sua presença «anómala» do Bom Ladrão e de S. Longinus. Para além dos já identificados, Adão, Eva, S. João Baptista e Rebeca, vêem-se, junto a esta, dois meninos, provavelmente Esaú e Jacob, seus filhos, e um ancião, Isaac.

À direita, ao fundo, transportando um peixe, numa representação invulgar, Jonas.

Junto a este, com uma espada ao ombro (?), Abraão (a espada foi a arma com que se preparou para sacrificar seu filho Isaac). Mais atrás, uma estranha figura solar, que julgamos tratar-se de Josué, que concluiu o êxodo iniciado por Moisés.Ele é, segundo Réau, «um dieu solaire comme Samson».

Acolitando Cristo e transportando a Cruz, figura o Bom Ladrão e, junto dele, um homem de capacete que supomos tratar-se de S. Longinus, o soldado que, com a lança, feriu Cristo Crucificado.

Atrás da Virgem, bem em evidência, o rei David, com a harpa, e Moisés.

Toda a cena revela um tratamento invulgar, mas típico de Fernão Gomes. É também rara a sua maneira de representar a «Anunciação» no painel dos Jerónimos, com o anjo prostrado, em ato de vassalagem (ou adoração?) medieval do cavaleiro à sua dama, contraditando todas as disposições da última sessão do Concílio de Trento, de 1563.

Terá sido este painel o que o P.e Veríssimo de Oliveira, em 1830, refere ao descrever sobre a capela da Quinta de Santa Bárbara, de Constância: "... tem um grande painel da descida de Jesus Cristo ao Limbo, onde se vêem os antigos Patriarcas representados ao natural pelo hábil e delicado pincel de Grão Vasco..."?

A confusão do tema é natural e no tempo em que este texto foi escrito as atribuições a Grão Vasco eram constantes.

É de admitir que, sendo a Quinta de Santa Bárbara doada, em 1714, por D. Fernando Martins de Mascarenhas aos Jesuítas, tenham sido estes que para lá levaram o painel em estudo. Tanto mais que, de acordo com Louis Réau, o tema da «Aparição de Cristo à Virgem» é o assunto de uma das meditações propostas por Inácio de Loyola nos seus Exercícios Espirituais.

Mais tarde, com a expulsão dos Jesuítas, em 1760, o painel terá sido ocultado, tendo regressado a Santa Bárbara cerca de 1830 quando foi descrito por Veríssimo de Oliveira.

A concluir, podemos afirmar que, se este painel provém de Constância, aproxima ainda mais as duas grandes figuras do nosso Maneirismo que foram Luís de Camões e Fernão Gomes, dois homens que se conheceram, tendo o pintor imortalizado o poeta na sua vera-efígie." 
Dagoberto Markl
Apud: 139 - Antiguidades e Obras de Arte, 28-29.05.2012 / Cabral Moncada Leilões






Para saber +



Aparição de Cristo à Virgem: Fernão Gomes
por  Vítor Serrão
Porto : Santa Casa da Misericórdia do Porto, 2017.
 48 p. : il. ; 22 cm.










Cristo Falando aos Fiéis

Óleo sobre madeira
escola portuguesa do séc. XVI
Não assinado, 118 x 70 cm








1973/06/27

Dagoberto Markl, o estudioso de Fernão Gomes - o pintor do retrato do poeta Luís de Camões













Dagoberto Markl, 1939-2010
Professor, historiador de arte, camonista.



Dagoberto Lobato Markl era historiador de Arte no MNAA e membro da Academia Nacional de Belas Artes, tendo-se destacado como investigador na área da pintura e da iconografia portuguesas do século XVI, em particular sobre Fernão Gomes, o pintor do retrato a sépia de Luís de Camões, e sobre os Painéis de São Vicentede Nuno Gonçalves.

Colaborou em vários periódicos, como o jornal O Diário e as revistas Vértice e O Militante, e em várias publicações de História e História de Arte, sendo um dos colaboradores do Dictionary of Art, publicado em Londres. Em 1984 foi distinguido com o Prémio José de Figueiredo da Academia Nacional de Belas Artes.




CAMONIANA


  • (1996) Fernão Gomes, in The Dictionary of Art, vol. 12, New York: Grove, p. 888.
  • (1995) Os ciclos: da Oficina à Iconografia, cap. do Vol. II – Do “Modo” Gótico ao Maneirismo, da História da Arte Portuguesa, dir. Paulo Pereira. Lisboa: Círculo de Leitores.
  • (1995) O humanismo nos Descobrimentos: o impacto nas artes, cap. do Vol. II – Do “Modo” Gótico ao Maneirismo, da História da Arte Portuguesa, dir. Paulo Pereira. Lisboa: Círculo de Leitores.
  • (1986) História da Arte em Portugal. Vol. 6 – O Renascimento. Em coautoria com Fernando António Baptista Pereira. Lisboa: Publicações Alfa.
  • (1986) Uma Aparição de Cristo à Virgem por Fernão Gomes, in Novas obras de arte quinhentista do tempo de Camões. Ed. Assoc. para a Reconstrução e Instalação da Casa-Memória de Camöes em Constância. Lisboa: Círculo de Leitores. – [87 p.; il. (30x24cm)].
  • (1981) Os tectos maneiristas da igreja do Hospital Real de Todos-os -Santos, 1580-1613. – Em coautoria com Vítor Serrão, in Separata do Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa, III série, n.º 86, tomo 1, p. 161-215.
  • (1981) Crítica social e submissão na produção cultural do tempo de Camões: da liberdade dos poetas à revolta dos pintores, in Separata do Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa, III série, n.º 86, tomo 1.
  • (1980) Duas obras inéditas de Fernão Gomes no Museu Nacional de Arte Antiga, in Boletim Cultural da Assembleia Distrital de Lisboa, III Série 3, n.º 86, tomo 2, p. 5-39. – Separata, 1982, 37 p. (26cm)
  • (1980) Camões poeta-pintor de Os Lusíadas, in revista Camões, n.º 1 (jul-ago. 1980), Lisboa: Editorial Caminho, p. 31-34.
  • (1973) Fernão Gomes, um pintor do tempo de Camões: a pintura maneirista em Portugal. Lisboa: Comissão Executiva do IV Centenário da Publicação de Os Lusíadas.






1. Capa do estudo Fernão Gomes, um pintor do tempo de Camões, 1973.
2. Um dos "Painéis de S. Vicente de Fora", de Nuno Gonçalves, v. http://paineis.org.
3. "Mona Lisa", 1503, de Leonardo da Vinci.
4. O retrato de Luís de Camões por Fernão Gomes.