500 Camões
Afonso Reis Cabral
"Camões não se queixa, e até dispensa homenagens oficiais. Nós é que nos queixamos. Nós é que não dispensamos homenageá-lo. Nós, os maravilhados com a épica que não se contém numa única leitura; nós, os encantados com a lírica, cujos sonetos toda a língua portuguesa sabe de cor; nós, os que queremos agradecer-lhe o legado, ainda que nos falte engenho e a arte.
Nisto perdeu-se a oportunidade óptima para ler Camões no século XXI, isto é, a oportunidade para promovermos leituras diversas da obra, de lhe darmos um fôlego nosso.
Poetry slams com temática camoniana, peças de teatro, edições especiais, declamações de memória e em jeito de desafio, um site com o contributo de gente variada, envolver as comunidades de língua portuguesa por onde Camões andou, mas sempre com um oi ao Brasil, enfim.
Haveria tanto para fazer, sobretudo apresentar aos estudantes um Camões diverso, complexo, um Camões sem manias de academismo ou instrumento da gramática, essa coisa detestável que ainda se pratica nas escolas.
Veja-se a lírica e o que fez com ela Eugénio de Andrade. Dizia ele que o melhor livro da literatura em língua portuguesa seria uma antologia sua dos sonetos de Camões. E tinha razão: a antologia, que hoje se encontra publicada pela Assírio & Alvim, é breve e maravilhosa, profunda e única. Não sei porquê, gostaria de ver adolescentes desesperados de amor a lerem aqueles poemas uns aos outros, em busca de conquistar o coração alheio.
Afonso Reis Cabral
In JN - Jornal de Notícias online, 31.01.2024
Redação: 1.06.2024