2022/06/28

Amor e tragédia nas viagens de Camões, pelo agrupamento Sete Lágrimas





Amor e tragédia nas viagens de Camões

“Tin-Nam-Men ou a Gruta de Patane”

3 de julho de 2022 / domingo, às 19h00

No Convento dos Capuchos



Agrupamento Sete Lágrimas:

Filipe Faria e Sérgio Peixoto - direção artística
Filipe Faria - voz
Sérgio Peixoto - voz
Pedro Castro - flautas e oboé barroco
Tiago Matias - alaúde, guitarra barroca, tiorba
Mário Franco - contrabaixo
Baltazar Molina - percussão

 
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Programa:

O dia de hoje
Quanto mais pode a fé que a força humana
          Os Lusíadas, C.III, est.111

1. Na fomte está Lianor, Villancico anónimo (s. XVI)
2. Minina dos olhos verdes, Villancico anónimo (s. XV/XVI)
3. La terrible pena mya, Filipe Faria (n.1976) e Sérgio Peixoto (n.1974) sobre texto de vilancicos anónimos (s. XVI)
4. Mis arreios son las armas, Filipe Faria e Sérgio Peixoto sobre texto de vilancicos anónimos (s. XVI)

A partida
Que, nos perigos grandes, o temor É maior muitas vezes que o perigo;
                    Os Lusíadas, C.IV,est.29

5. Adoramus te, Cancioneiro de Montecassino (s. XV)
6. Parto triste saludoso, Filipe Faria (n.1976) e Sérgio Peixoto (n.1974) sobre romances anónimos (s.XVI)

A viagem
E à terra que se não deixa salgar, que se lhe há-de fazer?
                    Sermão de Santo António aos Peixes, 1654, Pe. António Vieira (1608-1697)

7. Mosé salió de Misraim, Romance Sefarad (Norte de África)
8. Olá zente que aqui samo, Vilancico “Negro” de Santa Cruz de Coimbra (s. XVII)
9. A força de cretcheu, Eugénio Tavares (1867-1930)
Acabemos de nos desenganar, antes que se acabe o tempo.
                    Sermão de Dia de Ramos, 1656, Pe. António Vieira (1608-1697)

10. Variação sobre Seguiriya, Trad. Andaluzia/Juan de la Fuente Alcón
11. Tarantella, Trad. (Itália), arr. Tiago Matias
12. Pues que veros, Filipe Faria e Sérgio Peixoto sobre texto de vilancico anónimo (s. XVI)

A permanência
E quando foi ao p.ro de abril desaparecemos de Malaqua [Macau] e asy fomos ao longuo da costa até a Ilha q se chama pulo pisão onde estiuemos de todo perdidos com hūa muj.to grande trouoada q nos deu e em tanta man.ra q se noso snõr não fora seruido de se faser a vella em pedaços acabada era a viagem com a vida de nos todos.
                    Peregrinação, 1614, Fernão Mendes Pinto (c.1509-1583)

13. Bastiana, Tradicional (Macau/China)
14. Farar far, Tradicional (Goa/Índia) 
15. Ko le le mai, Tradicional (Timor)

E conhecendo hum daquelles, que como mayoral ou mestre da musica gouerna os outros, o Gaspar de Meirelez, lançou mão por elle para tanger, & metendolhe na mão hūa viola lhe disse, rogote que cantes o mais alto que puderes, porque te ouça este defunto q aquy leuamos, porque te affirmo que vay muyto triste pela saudade que leua de sua molher & de seus filhos a que em estremo era affeiçoado (…) 
                    Peregrinação, 1614, Fernão Mendes Pinto

16. Takeda no komoriuta, Tradicional (Japão)
17. Biem podera my desvemtura, Filipe Faria e Sérgio Peixoto sobre texto de vilancico anónimo (s. XVI)




Introdução ao Programa por Bernardo Mariano


"O presente programa tem como mote os amores, reais ou lendários, de Luís de Camões por uma jovem chinesa, durante a estada do poeta em Macau.

A crer no relato histórico (conquanto não se saiba se ele foi, já então, ficcionado), os sentimentos que os uniam eram fortes, ao ponto da jovem ter acompanhado o poeta na viagem deste de regresso a Goa. Acontece que a embaracação naufragou junto ao delta do rio Mekong (sul do Vietname) e a jovem acabou por perecer nesse naufrágio. Ela está por isso ligada ao famoso episódio em que Luís de Camões, tentando salvar-se, mantém ao mesmo tempo um braço levantado, segurando a saca onde trazia o manuscrito d’‘Os Lusíadas’!

Chamava-se esta jovem Tin-Nam-Men, nome que tem uma curiosa semelhança com ‘Tiananmen’, topónimo que, como sabemos, significa ‘Porta da Paz Celestial’ ou ‘Porta da Pacificação Celestial’ – e, pesem as diferenças linguísticas Pequim/Cantão, o nome dela significaria algo de parecido. Certo é que o seu nome foi vertido como Dinamene, o que a identificou com a ninfa marinha da Ilíada homérica, identificação esta provavelmente póstuma, por via de ter Tin-Nam-Men morrido afogada. O nome dela surge associado – e assim imortalizado – a dois sonetos do poeta: ‘Ah! Minha Dinamene!’ e ‘Quando de minhas mágoas’ e é evocado na redondilha Sôbolos rios que vão, esta de cariz elegíaco pela sua morte [Nota 1: O nome dela é referido por Diogo do Couto (c. 1542-1616), amigo do poeta, historiador e guarda-mor da Torre do Tombo de Goa, mas não há certeza se se trata de um relato histórico fidedigno ou da fixação por escrito de uma fantasia poética de Camões].

Contextualizando: Camões esteve em Macau, crê-se que entre 1563 e 1565, ou seja, uma mera década após o estabelecimento dos primeiros portugueses na península [Nota2: A presença regular de portugueses nas costas da China dá-se a partir de 1513, com Jorge Álvares.] que viria a ser possessão portuguesa até 20 de Dezembro de 1999.

Camões já estava no Oriente desde o Outono de 1553 [Nota 3: Considerando que Camões só regressaria à metrópole em Abril de 1570 e tomando os anos que esteve nas praças portuguesas em Marrocos (mormente Ceuta), ele passou mais de metade da sua vida adulta fora de Portugal continental!] e, baseado em Goa, ali desempenhou o seu ofício primeiro, o de soldado, ao serviço da Armada do Índico, com a qual percorreu a maior parte das costas desse oceano. Foi para Macau desempenhar um cargo administrativo e ali ficou associado à Gruta de Patane (hoje, parte do Jardim Luís de Camões), onde, reza a história, terá escrito boa parte do seu poema épico [Nota 4: Na verdade, Camões deverá ter concebido o seu poema logo desde a longa viagem para a Índia e adiantado a sua redacção quando em Goa.].

O programa do agrupamento Sete Lágrimas empreende uma evocação dessa longa estada de Camões no Oriente e cruza-a com uma panorâmica da disseminação portuguesa por essas partes do mundo, desde Moçambique até ao Japão e a Timor.

Ao mesmo tempo, incorpora o que seria a mundivisão de Camões quando partiu rumo à Índia, impregnada das músicas populares do seu país, das músicas de corte, e das culturas e tradições mediterrânicas, incluindo as de matriz muçulmana e sefardita.

Temos por isso a presença tutelar de excertos dos ‘Lusíadas, mas que coexistem com pedaços dos ‘Sermões’ do Padre António Vieira – outra figura maior da nossa cultura que viveu a maior parte da vida fora de Portugal (e da Europa) – e com passagens da famosa ‘Peregrinação’, de Fernão Mendes Pinto.

A componente musical intenta captar o que seria a ‘sonovisão’ de Camões, da época em que viveu, dos lugares por onde passou e dos ambientes que frequentou.

É assim que ouviremos, desde logo, vilancicos: um género musical (profano e, sobretudo, religioso) endógeno da Península Ibérica, que gozou de enorme popularidade até ao início do séc. XVIII, aí se individualizando os ‘vilancicos negros’, cujo texto procurava imitar a pronúncia do português (ou do castelhano, ou do latim) pelos escravos negros trazidos para a Europa ou levados para o Brasil/a América, sendo que também a música incorporava alguns aspectos das suas práticas musicais. Os que hoje ouviremos provêm de arquivos ou foram reconstruídos ‘ex novum’ por Filipe Faria e Sérgio Peixoto. Aquele intitulado ‘Minina dos olhos verdes’ é uma referência à nossa Tin-Nam-Men, que, segundo consta, teria uns lindos olhos dessa cor.

Também ouviremos romances (de tema amoroso ou mais narrativo), incluindo os da tradição sefardita peninsular; cantos religiosos; músicas populares do espaço mediterrânico (Andaluzia, Reino de Nápoles); e temas da música tradicional de Goa, Macau, Timor e Japão.

Um retrato-relance, enfim, dos complexos e multicontinentais processos de aculturação, miscigenação (étnica e cultural), sincretismo e multiculturalismo que se produziram na vigência do Império Português e das várias diásporas que no seu interior ocorreram. Hoje já lá vai o Império, mas esses processos continuam, fertéis, inventivos e enriquecedores como sempre."

Autoria: Bernardo Mariano







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